As chuvas do verão deste ano demonstraram que o sistema de drenagem da cidade de São Paulo não funciona. Seja pelo fato das chuvas serem muitos fortes, seja por falta de limpeza, seja pela limitação de absorção de água pelo solo, o grande problema que a população enfrenta é o risco iminente de alagamentos toda vez que o céu escurece.
A meteorologia se tornou uma fonte preciosa de informação, indispensável para uma região com os problemas que São Paulo enfrenta. Agravada por um trânsito intenso e milhões de pessoas que circulam pela cidade de norte a sul, a consulta aos serviços de meteorologia passa a ser uma necessidade constante.
A cidade de São Paulo também apresenta uma característica bastante curiosa não somente ao tempo, mas também a temperatura. É comum os paulistanos comentarem que num único dia a cidade apresenta sol, chuva e frio e calor. Para tentar se precaver de possíveis intempéries, não tem como não ouvir o que os meteorologistas prevêem para o dia.
E quem se destaca nesse trabalho pela precisão com que analisa o quadro meteorológico é o meteorologista Marcos Massari, da Somar Meteorologia (Southern Marine Weather Services), uma das mais importantes empresas do segmento no Brasil. Nascido na cidade de Alegrete (RS), aos 46 anos, Massari começa o dia prestando informações climáticas para o programa Pulo do Gato, da Rádio Bandeirantes, e continua fazendo inserções atualizadas durante toda a programação da emissora.
Sempre sereno e preciso, Massari demonstra ser uma daquelas pessoas amigas para toda hora. Com sua voz humorada e simpática, ele revela ser um Pãe, como ele mesmo denomina, isto é, mistura pai e mãe, pois Massari, que é divorciado, vive com a companhia do filho Guilhermo.
O torcedor do Internacional, colorado de “sangue e coração”, concedeu a seguinte entrevista ao Café.com, deste Laboratório de Temas.
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Como você concilia trabalho com a família?

Que tipo de música você gosta?
Gosto de Rock, e sou do tipo que detesta pagode. Já fiz alguns ensaios com bateria; na verdade foi abandonada quando o Gui nasceu, mas ainda sonho em algum dia encontrar tempo para retornar as aulinhas, ou seja, a terapia. Quanto às bandas, sou conservador, gosto mesmo é de um Rush, Led Zeppelin, Rolling Stones, Eric Clepton, entre outros velhinhos.
Gosta de filmes? Assistiu ao filme "Twister"? O que achou dele?
Este é o preferido, na verdade quando tenho bons sonhos me pego no meio de uma tempestade, ou de um bom twister. Minha última ida ao cinema foi para assistir ao filme Avatar, em companhia do Gui, que classificou como o melhor filme já visto, eu concordei com o bom gosto!
Fale um pouquinho de você, como você é no dia a dia... Você é mais calmo, ansioso, agitado... E qual a sua função na SOMAR?
Na Somar minha função é de Diretor Executivo, ou seja, administro e comercializo os produtos e projetos da empresa. Sou do tipo que trabalha com a porta da sala aberta, e assim, sempre tenho companhia de algum colega de trabalho. Gosto de atender aos clientes e aos funcionários, porém não largo-mão da previsão do tempo. Meu dia começa cedo, no Pulo do Gato (tradicional programa levado ao ar a partir da 5h30min pela Rádio Bandeirantes, de São Paulo). Veja que começo o dia em boa companhia, meu primeiro “bom dia” é para a Silvânia Alves (produtora do programa) e, posteriormente, falo como Zé Paulo (José Paulo de Andrade, apresentador do Pulo do Gato) e com os ouvintes do Pulo. Antes, é claro, acesso minha máquina na Somar e dou uma boa olhada nos modelos de previsão do tempo, imagens de satélite, galinho da geladeira, bola de cristal entre outras ferramentas dos meteorologistas. Depois do Pulo, atendo a outros programas da Bandeirantes; e lá pelas 8:00 h chego na Somar. Nesse momento, o dia começa a ficar divertido conforme a intensidade da chuva, é claro!
Quando e onde você estudou e se formou?
Em 1990 acabei a graduação em meteorologia na UFPEL - Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Logo vim para São José dos Campos, no Vale do Paraíba, em São Paulo, fazer o mestrado no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Em 1993 prestei concurso para meteorologista do INPE e acabei virando funcionário publico. Fui trabalhar em Cachoeira Paulista no CPTEC (Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos), mas não fiquei muito tempo como funcionário do ( ex-presidente Fernando) Collor , o chefe pagava muito pouco. Em 1995, fundei a SOMAR Meteorologia na sala de um apartamento alugado em Cachoeira. A empresa começou com dois sócios, dois micros (velhos) e uma linha de transmissão de dados chamada Rempac, ainda não existia Internet (no Brasil). A empresa durou um ano em Cachoeira e o próximo passo foi pedir demissão do INPE. Lembro que nesta ocasião fomos considerados loucos. Mudamos para São Paulo em 1996 e após uma longa trajetória neste mês de fevereiro a Somar completou 15 anos. Debutou!
Por que você decidiu ser meteorologista?
Por influência familiar fui cursar Engenharia Civil, porém o curso só era oferecido pela PUC (Pontifícia Universidade Católica). Como não tinha como pagar as mensalidades de um curso diurno de engenharia, procurei na Universidade Federal um curso com matemática e física, onde pudesse eliminar alguns créditos de engenharia. A idéia era cursar os cálculos e físicas na federal e pagar apenas os cursos profissionalizantes na engenharia da PUC. Pronto, fui parar na Faculdade de Meteorologia da Federal, terminei os estudos de cálculos diferenciais no último semestre. Não deu tempo de fazer engenharia, nem gosto!
Você entende que a meteorologia é uma área ainda pouco explorada no Brasil?
Sim, ainda tem muito a ser feito, tanto em relação ao mercado quanto a pesquisa. Os recentes acontecimentos como aquecimento global e as chuvas intensas nos grandes centros urbanos despertam certa curiosidade no mercado e nas pessoas em geral. Entretanto, ainda não se tem a cultura de valorizar este produto. Imagine (sic) quantas empresas de vestuário usam a informação para planejamento de suas fábricas, bem como, para a distribuição de seus produtos.
Em qual nível tecnológico se encontra a meteorologia brasileira?
Já podemos nos comparar com os grandes centros de meteorologia do mundo. A demanda aqui começou mais tarde porque o tempo não chega a ser tão severo como no hemisfério norte, que sofre a influência de furacões e nevascas. Mas a partir de agora, com meses recordes de chuva e outras intempéries a meteorologia se tornou fundamental para a mídia e tem um valor de utilidade pública.
O Brasil depende de tecnologia externa?
Na verdade existem parcerias externas e algumas ferramentas que são muito úteis não estão todas no Brasil.
O Brasil investe pouco ou investe mal no sistema meteorológico?
O investimento tem crescido conforme a demanda dos serviços no Brasil. A meteorologia tem um índice de acerto bem maior agora devido aos investimentos em novas tecnologias.
Como anda o campo da pesquisa dessa área no Brasil?
Muitos graduados ingressam nos cursos de pós-graduação e acabam fazendo carreira científica nos institutos de pesquisas e universidades pela falta de mercado de trabalho, e não por vocação. Assim, muitos dos trabalhos de pesquisa são (sic) meras traduções de publicações internacionais que não atendem a demanda operacional do país. Além disto, os institutos de pesquisa acabam executando trabalhos operacionais de previsão de tempo e clima, concorrendo com as empresas privadas e esquecendo a pesquisa.
Como é a formação do meteorologista no Brasil se compararmos com os formados na Europa ou Estados Unidos?
Atualmente existe muita interação e troca de experiências entre os cursos do Brasil e do exterior, com isto, o conhecimento fica nivelado.
Apesar dos recursos tecnológicos é o meteorologista quem faz a leitura e a previsão, de modo que a análise dele deve ser precisa. Quais habilidades ou competências são mais exigidas de um meteorologista?
O meteorologista, ao fazer a leitura dos modelos de previsão, acrescenta ao seu diagnóstico seu conhecimento local e seu feeling, este é o diferencial para diminuir a margem de erro. Na Somar, para que a informação consiga atingir ao seu público alvo de maneira efetiva, há a colaboração de um quadro de jornalistas e assessores de imprensa que interpreta a informação e, dependendo de cada veículo ou cliente, usa-se uma linguagem diferente, por vezes mais técnica, outras mais coloquial. Além disso, alguns funcionários passam por aulas com uma fonoaudióloga para fazer as (sonoras, as informações transmitidas diretamente pelos meteorologistas nas inserções ao vivo nos meios de comunicação) rádios de maneira clara com um discurso direto e objetivo.
A SOMAR foi criada por ex-funcionários do INPE. Como se deu isso?
O mercado exigia uma demanda que os institutos do governo não conseguiam suprir. Surgia um espaço para a criação de empresas privadas na área.
O fato da SOMAR ser uma empresa privada confere à ela maior agilidade para se desenvolver tecnologicamente?
A empresa privada interpreta os modelos e desenvolve produtos direcionados aos diversos segmentos do mercado. Este mercado é cada vez mais exigente e quer ferramentas para produzir e distribuir seus produtos de acordo com o momento econômico e, é claro, considerando as intempéries do tempo.
Como está o mercado para as empresas meteorológicas no Brasil? É um mercado muito concorrido?
Existe uma carência de regras, legislação, ou seja, as empresas privadas não têm fôlego para concorrer com institutos e pólos regionais de meteorologia financiados pelo dinheiro público. Pagamos uma tributação alta para financiar uma proposta enquanto institutos de pesquisa acabam concorrendo no mesmo mercado para a prestação de serviços.
A vida do agricultor está cada vez mais dependente dos serviços da meteorologia?
A vida do agricultor sempre foi dependente da meteorologia que é uma ferramenta essencial para o bom desenvolvimento das culturas. A Somar desenvolveu produtos específicos para o setor onde há inclusive previsão de quebra de safra. A Somar desenvolveu o Agrosomar que traz não só boletins de previsão do tempo e clima focados para a agricultura, mas também informações sobre fases fenológicas da planta e seus devidos riscos climáticos. Todos esses produtos estão disponíveis para as culturas de arroz, algodão, café, cana-de-açúcar, citrus, feijão, milho, soja e trigo. Através de parâmetros meteorológicos como temperatura, umidade relativa e período de molhamento são gerados (sic) índices de alerta para a ocorrência das principais doenças agrícolas e a possibilidade de ocorrência de geadas, algo que pode acabar com toda uma produção. A Somar, portanto, criou diversos desdobramentos para facilitar cada vez mais a vida do agricultor em um País que possui a economia fortemente baseada na agricultura.
Quem são os maiores clientes das empresas meteorológicas?
Agrobusiness, setores alimentícios, transporte, turismo, mídia, etc.
Além de prever se vai fazer sol ou chuva, frio ou calor, quais são as outras atribuições do meteorologista?
A meteorologia se divide em dois grandes grupos: Tempo e Clima. A previsão do tempo faz diagnósticos de 1 a 15 dias de antecedência, com isto, podemos planejar nosso cotidiano, nosso esporte, nosso feriado entre outros. A previsão climática permite a simulação de cenários de como será o comportamento climático de uma próxima estação do ano ou um de um próximo ano. Atualmente, os climatologistas estudam modelos que apresentam resultados para os próximos 50 e/ou 100 anos, daí estreitamos nosso conhecimento e especulamos tal de aquecimento global. Além disto, existem outras áreas de atuação como os meteorologistas que trabalham nas áreas de meio-ambiente, dispersão de poluentes, avalanches, biometeorologia, etc.
A SOMAR é uma empresa com 15 anos, relativamente nova, mas oferece um portifólio extenso de produtos. A que se deve isso.
Muita criatividade, desenvolvimento de produtos e conhecimento técnico. Nossa missão é atender todos os segmentos do mercado com credibilidade da informação.
Como os serviços meteorológicos podem ser convertidos em lucros aos seus clientes?
A meteorologia esta presente em todos os segmentos do mercado. Imagine que seu restaurante pode colocar mais água na feijoada no tempo frio, ou mais sorvete na geladeira no calor, em ambas as situações você aumenta seus lucros.
Parece que a natureza está dando uma resposta ao ser humano quando verificamos terremoto de proporção assustadora no Haiti, neve anormal na França e no hemisfério norte como um todo; calor acima do normal nos trópicos, elevadíssimos índices de chuva pelo Brasil, etc. O que está acontecendo?
Realmente vivemos um dos meses de janeiro mais chuvosos da história de São Paulo, algo que também ocorreu em julho do ano passado, deixando o inverno atípico na cidade. Começamos o ano com diversas tragédias devido aos alagamentos e deslizamentos de terra no Rio de Janeiro e também em cidades do Vale do Paraíba (região nordeste do Estado de São Paulo). Em relação aos terremotos, na realidade eles não possuem nada a ver com a meteorologia, porque se tratam do acomodamento das placas tectônicas, algo que não possui um sistema de previsão como os fenômenos da atmosfera. Fato é que tivemos as estações do ano bem definidas nos dois hemisférios da terra. Começamos o ano com um terremoto devastador no Haiti, mas relacionar estes fatos com o aquecimento global ainda é prematuro. As catástrofes da natureza sempre ocorreram e sempre vão ocorrer, mas mensurar o percentual de impacto do homem nestas catástrofes depende de muitos fatores. Fato é que para cada ação do homem existe uma reação da natureza e a urbanização sem controle vai aumentar os problemas de enchentes das grandes cidades que vivem em ilhas de calor. Mas na verdade são problemas locais e é bem mais fácil (sic) para os governantes colocá-los em esfera global. Dessa maneira eles ficam em uma tangente mais distante para solucionar.

É preciso começar fazer algo agora para conseguir alguma mudança no futuro. Se nada for feito, pesquisas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas já indicam um aumento na temperatura do globo. Os efeitos podem ser remediados, mas revertidos é algo mais improvável.
O crescimento da economia mundial, especialmente a dos BRICs, pode ser prejudicial à saúde do planeta?
A economia mundial precisa encontrar soluções sustentáveis para a geração de energia do planeta e manutenção da vida. Combustíveis alternativos e mudança nos modos de consumo da população precisam ser incorporados pelos países que mais poluem o planeta. No entanto, para isso, é preciso investimento e inicialmente até uma perda de lucro, o que muitos não estão suscetíveis a se submeter.
A agência Goldman Sachs prevê que até 2050 os países que compõem o BRIC superarão as economias dos países desenvolvidos (G6: EUA, Japão Alemanha, Reino Unido, França e Itália) em termos de valor do PIB. Se isso ocorrer, segundo a agência, as implicações para a economia mundial serão grandes. Um agravante é que esses países deverão concentrar mais de 40% da população mundial. Na sua avaliação, que impacto climático/ambiental isso pode gerar?
Todo excesso é compensado pela natureza, que procura o equilíbrio, por vezes, de maneira trágica para o homem. Usar os recursos naturais de maneira descontrolada, o excesso de população em alguns lugares aliados a outros fatores já comprovaram que podem até mudar o clima de algumas regiões. O desenvolvimento muitas vezes é um reflexo de desmatamento das florestas que são os pulmões do mundo. Na realidade o homem precisa ter a consciência que, daqui pra frente, desenvolvimento tem que estar casado com a sustentabilidade do planeta. Veja como exemplo o que fizemos com São Paulo, outro dia vi uma foto antiga da época da fundação da cidade, onde se via um rio sinuoso e uma grande várzea. Hoje vemos um rio canalizado, um solo impermeabilizado, áreas invadidas e ainda jogamos lixo na rua, ou seja, não cuidamos do nosso quintal, será que cuidaremos do nosso planeta?
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